POESIA
SONETOS
PRIMAVERA
Num campo florido, da flor, a sina
que cor vadia inunda a sombra
o tempo brota do chão da página
como raíz que do céu se lembra
com vagares de estrela escolhe o dia
novo. Flecha de sagitário como espiga pálida
sobre as andorinhas voa a fantasia
e um sol eterno que já foi crisálida
um bater de asas espantou a lua
que bebia água junto dos pardais
na rosa pele vibram sentimentos
ninho de cegonha nos ferros da grua
água sob a ponte canta até ao cais
e a terra guarda seus melhores momentos
RENASCER
Cinza ao vento não é o fim
onde espalha raíz da história
fénix que há em mim
asa e voo da memória
minha língua na palavra gasta
saboreia o lume do seu ocaso
num romance de azimute. Basta
um verbo, um beijo sem prazo
em redor da pele, lua macia
de Terpsicore, sinto teus olhos
na avalanche que me guia
no mar vazio anoiteceu
perdi a noite a guardar sonhos
o mundo todo aconteceu.
YANG
Dessa arte de saber ficar feliz
seco as horas como folhas para chás
música de asas de perdiz
a meus ouvidos de caçador de paz
alquimia que transforma pensamentos
na sintética pureza da verdade
filosofia de horizontes e sentimentos
espelhados na beleza da cidade
o mastro do navio não risca o céu
se riscasse o que nele escreveria
a árvore que mais alto se ergueu
e tu que lês estrelas meu irmão
o que diz a concha para a areia
o que diz o bater do coração.
ADÁGIO
Lentamente, como a Primavera
desce da montanha, folha-ante-folha
em silêncios de musgo, a espera
minguante, no momento da escolha
de cada palavra sua flor balança
exala e tinge o sol, agora
se balançar no verso é criança
vou descrever-te pela vida fora
mais lentamente ainda eu te diria
como o lago beija a sua margem
onda-a-onda dia-a-dia
o amor não seca depois do fruto
teus passos são a minha viagem
ainda que seja meu o luto.
PRESSÁGIO
Cresce em aventura a rua estreita
esquina de carvão e sombra nua
não me entende a luz tardia da lua
pousa no meu ombro e daí espreita
a noite que arrefece em minha mão
na suspeita imaterial que um sonho morre
nos meus olhos. E o silêncio escorre
por paredes, portas, janelas, e, então
no vazio mecânico do caminhar perdura
vésperas de solidão, enquanto urge
perder o norte pois que busco a cura
que só no sul do teu coração
espera por mim, e bruscamente surge
em minha frente uma imensidão.
CACTO
De frio e sorte estranha, a vida
murcha na flor do cacto. Bela,
no entanto, aceso rasto da ferida
percorre o gume de deserto a estrela
luar sem noite, tão perdida lua
adormeço cego e eis que caio em mim
se cair me ensina, aprendo enfim
a entrar na história que recua
lembro moinhos e marés que de ciúme
pelo vento, vão gemendo dores de alma
no cansaço que reinventam na batalha
lembro portas e janelas sem queixume
sem segredos na penumbra, a mesma calma
a mesma luz na mesma hora se espalha
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